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Podemos considerar como um bom exemplo dos assuntos de despoluição de mananciais e reciclagem de esgotos o rio paulista Jundiaí, nome que deriva, de certa forma, do peixe chamado jundiá, que sempre viveu e se reproduziu em suas águas, até o nível de poluição do curso de água chegar a um ponto que quase extinguiu os animais.
O Jundiaí é vital para as cidades cortadas por ele, sendo que a opção de prover o abastecimento desses municípios, caso não houvesse a possibilidade de usar suas águas, seria algo oneroso e difícil.
O crescimento desordenado, característico do estado de São Paulo, levou à poluição desse rio, que, no início dos anos 1980, já era crítica, a ponto de suas águas serem consideradas completamente impróprias para consumo e seu tratamento para condicionar sua potabilidade ter se tornado algo não viável economicamente.
Nesse caso, ficou evidenciado que o problema era local e havia a necessidade de intervenção organizada para salvar o leito do Jundiaí, que já não continha peixes e, na verdade, era um grande corredor de esgoto das cidades que ele cortava.
Isso começou em 1982, com a criação de um comitê envolvendo os municípios interessados e a Sabesp. Precisa ficar claro que o processo de despoluição não foi só possível por se tratar de uma área considerada menor em relação a um rio como o Tietê, pois o famosíssimo Tâmisa, na Europa, também passou por um processo de descontaminação e sua grandiosidade é conhecida por todos.
Inicialmente, para acabar com a carga de esgoto lançada no rio, foi necessário barrar o descarte livre em seu leito. Isso foi possível com o desvio das redes coletoras, pois foram direcionadas para estações de tratamento, deixando de ter como destino os córregos que desaguavam no Jundiaí.
Na nova rede, o esgoto que entrava na estação de tratamento passava por várias etapas de despoluição, eliminando a parte orgânica nociva. Ao final do processo, a água voltava a ser limpa e desinfectada, podendo ir em direção ao rio e conferir um volume maior de água potável para seu curso.
A despoluição não acontece, como podemos ver pelo exemplo do rio Jundiaí, da noite para o dia. Envolve muito planejamento, capacidade técnica, coisas que já são de domínio da área de saneamento ambiental por décadas, mas também é preciso empenho político para a continuidade do trabalho, independentemente da gestão, do governador, prefeito ou sigla política que o tenha iniciado.
O Rio Jundiaí, após 40 anos, já está enquadrado como Classe III, ou seja, suas águas são passíveis de consumo humano, desde que passem por tratamento. Os peixes já voltaram e, com eles, a cadeia alimentar natural, que envolve aves que se alimentam também desses animais.
Podemos considerar que os rios, sejam eles quais forem, principalmente os que cortam populações urbanas, podem ser despoluídos. Porém, como citado anteriormente, o processo envolve técnicas que podem ser muito caras, dependendo da extensão e do número de afluentes contaminados, mas o envolvimento político na resolução do problema é fundamental.
Pensar em eliminar o esgoto é algo longínquo, pois, nós, seres humanos, somos um dos principais colaboradores na produção de efluentes orgânicos, por conta de nossas necessidades fisiológicas. Mas a água potável provinda de esgoto já é uma realidade secular e o seu uso também, basta utilizar a técnica correta e ter boa intenção na solução do problema, que pode ser de saúde pública.
Seria muito mais inteligente ter água limpa para captação próxima à cidade de destino do que ter que captar a quilômetros de distância, além de termos de depender da chuva, para os casos de localidades abastecidas por reservatórios, nessa lamentável situação de crise climática que vive o planeta.
Por Rogério Ap. Machado, professor doutor de Química e Meio Ambiente na Escola de Engenharia (EE) da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM).